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Porque é fim de semana e este sol convida a momentos preguiçosos. Porque temos dificuldade em reduzir a mudança de quinta para uma terceira, vá, que seja. Porque a informação chega a nós num catadupa tal que mal temos tempo de digeri-la antes de passar à seguinte, correndo sérios riscos de indigestão. Porque nem conseguimos aproveitar o momento na ânsia de mais uma partilha. Ultraficar parece-me tão bem.
Miguel Esteves Cardoso em http://www.publico.pt/sociedade/noticia/ultraficar-1636137
Há anos que não tenho férias mas ontem, ao voltar da praia, lembrei-me de ser pequenino em férias no Algarve. Quando havia trânsito, o meu pai tinha uma política radical: ou arriscava todas as nossas vidas a ultrapassar tudo a cento e quarenta à hora numa série de manobras perigosíssimas a que ele chamava "riscos calculados" ou desistia e abandonava o veículo. Íamos passear, almoçar ou jantar cedo no primeiro sítio que encontrássemos. Assim não perdíamos tempo. Quando voltávamos ao carro, já não havia trânsito.
Ontem apanhámos três autocarros turísticos à nossa frente na estrada lindíssima que vai da Malveira da Serra até Colares. Eram inultrapassáveis e a Maria João sugeriu que andássemos mais devagar ainda, para os deixar ir.
Foi o que fizemos. Os autocarros desapareceram na distância tão certamente como se os tivéssemos ultrapassado. Procurámos o antónimo de ultrapassar e a Maria João saiu-se com ultraficar.
Ultraficar é uma variante da estratégia do meu pai: é um ficar excessivo, que ultrapassa o problema, sacrificando a pressa a favor do luxo da preguiça e do vagar.
São muitos os momentos da vida em que mais se ganha em ultraficar do que em tentar ultrapassar. A pressa é uma aflição auto-inflingida. Recusá-la é um prazer. Fica-se com o dia todo atrasado? Não, apenas ficou ocupado de uma maneira diferente; melhor.
Ultraficar é ver os obstáculos como uma oportunidade para ficar por ali. É a desculpa perfeita. E ultrafiquemos por aqui.
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